
No dia 13 de março a Netflix lançou um minissérie de 4 episódios chamada Adolescência, que conta sobre Jamie Miller, um estudante de 13 anos, que é preso sob acusação de assassinar uma colega de classe.
O foco desse texto não é ser uma review, apesar de conter opiniões pessoais minhas. Eu quero, principalmente, expressar a minha indignação quanto à recepção de algumas pessoas à minissérie.
Eu gosto de consumir mídias com tema criminal, mas não foi esse o motivo que me fez ir assistir Adolescência.
Eu vi no Twitter uma pessoa comentando como está cada vez mais comum encontrar jovens como o Jamie na vida real. Nas replies, tinha pessoas elogiando a atuação do Owen Cooper (ele faz o Jamie) e citando o terceiro episódio, que é focado no encontro do Jamie com uma psicóloga.
Pra ser sincera, eu tenho muito interesse pela parte psicológica que envolve um crime, então me chama muito a atenção quando esse tipo de conversa acusado-psicólogo é mostrado.
Abri a Netflix e comecei a assistir.
No primeiro episódio, eu tava assistindo como uma série de crime qualquer, que o papel do telespectador é acompanhar a investigação e o desfecho dela. A gente tenta adivinhar o que aconteceu, se o acusado realmente é culpado, o motivo do crime. Depois, vemos a investigação chegar ao fim e essas perguntas serem respondidas. Mas esse não é o caso de Adolescência, e muita gente não entendeu isso.
Na minha opinião, do segundo episódio em diante, é explícito que o objetivo da série não é ser uma série investigativa. Claro, aconteceu um crime e a gente quer saber se realmente foi o Jamie e, se sim, por que ele fez isso. Mas, muito acima disso, a série fala sobre o crescimento da misoginia nas gerações mais novas, sobre a falta de respeito que eles têm por figuras de autoridade, sobre como tem um porrada de coisa acontecendo na vida dos adolescentes que os adultos nem fazem ideia.
E eu nem estou sendo aquele tipo de pessoa que inventa significados e críticas só pra dar uma profundidade e importância que não existe. Adolescência é uma crítica. E não sou só eu que estou falando isso.
Mas as pessoas ficaram chateadas porque a série “não mostrou” o desfecho da investigação.

Eu me pergunto: A série falhou em comunicar o seu objetivo ou as pessoas não sabem mais interpretar sem que algo seja diretamente explicado a elas?
A produção optou pelo plano sequência, que é quando uma cena inteira é filmada sem cortes. E eu entendo que, às vezes, pode ser overwhelming, ou, dependendo da cena, meio tedioso. Mas, acredito de verdade que, pra essa minissérie, essa escolha foi perfeita. Por isso, não admito ver pessoas falando sobre como o terceiro e quarto episódio foram “boring” ou “sobre nada”.
A conversa entre o Jamie e a psicóloga Briony no terceiro episódio é de tirar o fôlego de tão intensa. A atuação do Owen Cooper e da Erin Doherty é absurda. São 52 min de cena sem corte que quando termina, você só consegue pausar os créditos e olhar pro teto em completo silêncio.
No meu caso, foi o que aconteceu: Fiquei olhando pro teto em silêncio. Aí depois eu chorei. Muito. Até agora não sei explicar direito de onde veio essa reação, mas acho que, como mulher, entendi perfeitamente a posição da psicóloga em relação aos homens que aparecem no episódio, incluindo o Jamie, que “tem apenas 13 anos”.
Ser mulher é difícil pra caralho e quando terminei o episódio, pensei: “Era difícil, continua sendo e, aparentemente, sempre vai ser”. Isso me deu uma tristeza muito grande.
Eu tenho só 24 anos, mas depois da série me peguei pensando: “Se eu tiver um filho, ele pode acabar assim. Se eu tiver uma filha, ela pode acabar morta pelo filho de outra pessoa”. Foi como se pegassem a realidade e esfregassem na minha cara, sabe? Caiu a minha ficha e doeu bastante.
O último episódio encerra a história mostrando do ponto de vista dos pais do Jamie. Não, não vai ter o Jamie no tribunal. Não, não vai ter o Jamie indo pra cadeia. A série não é pra isso. Ela faz uma crítica e pra bom entendedor, meia palavra basta. Então, não precisava de mais episódios e não precisa de uma segunda temporada.
O objetivo de Adolescência não é fazer você terminar a sua maratona com uma sensação de que “a justiça foi feita”. O fim é amargo e a gente não pode fazer nada sobre isso.
Eu só espero que essa impotência não se aplique à vida real também.
Boa linha de pensamento. Tenho visto muita gente comentar essa série e até fiquei curiosa mas como tô sem acesso a netflix e com outras coisas pela metade acho que vou deixar a preguiça vencer. Complicadíssima essa necessidade de consumir tudo mastigado e óbvio, com início e fim marcados, nenhuma unidade de pensamento no ar. Quanto ao tema, já passo dos trinta, tenho colegas da escola com filhos adolescentes e volta e meia me pego pensando como seria criar um, essa impotência costuma rondar. Sei lá. Complicadíssimo. Abraço!
ResponderExcluirAinda não tive a oportunidade de ver a série, mas quero tratar disso o quanto antes!
ResponderExcluirBjxxx,
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Nana, eu real acho que as pessoas estão perdendo a habilidade de interpretar as coisas. Interpretação requer atenção e uma base prévia de conhecimentos e vivências. Atenção é uma coisa que está em crise na nossa sociedade, a gente passa muito tempo nas telas e somos bombardeados por informações, músicas, vídeos, tudo com estímulos visuais que estão saturando a forma que consumimos as coisas online. Para mim, a prova disso são sites que você pode colocar o conteúdo de um texto escolar e eles geram uma segunda tela com aqueles vídeos aleatórios com estímulo visual para você prestar atenção na tela enquanto estão lendo o arquivo para você. A parte do conhecimento e vivências é muito extenso, passa por educação básica até questões sociais, e num geral eu acho que estamos emburrecendo enquanto sociedade. Eu fiquei muito curiosa para assistir essa série, uma amiga minha antropóloga recomendou muito e trouxe essa questão de como o público recebeu essa série de uma forma tão dissonante do que ela de fato se propõe a ser.
ResponderExcluirGarota do 330
Tenho visto pessoal falando bastante sobre essa série, ainda não assisti, mas agora fiquei curiosa, ainda mais pra ver o plano sequência de 52 minutos!!! :O
ResponderExcluirMeu receio de assistir é ela ser forte demais, mas ainda pretendo ver em breve.
o plano sequencia dessa série faz a gente se sentir de fato na situação, a agonia a raiva os babado tudo com vc gritando "acaba pelo amor de deus". então em quesito direção, atuação e coisa e tal, um pão. E de fato, é comum uma gama de pessoas irem de cabeça num obra esperando algo e ao invés de ficar na boa ou ter se deleitado por algo que não era o que esperava - porém ótimo ao que propunha - fica indignado. boa parte dessas pessoas são acostumadas com algo da superfície, não sei explicar, algo sensacional? com um final feliz ou um ponto final que agrade a todos?
ResponderExcluirquando na verdade era algo real e simples e difícil aceitar? eu acho que os que realmente entenderam pensaram como você, eu tbm pensei assim: nossa se eu tiver um filho... é bizarro, é estranho, é doloroso; da medo. Podem ser vozes da minha cabeça, mas talvez seja por isso que muitos 'jovens' hoje em dia nem pretendem ter filho (além de todos os outros argumentos claro k)?
Oi, Nana! Tudo bem?
ResponderExcluirNão vi a série, mas minha mãe viu e eu ouvi o episódio 3 com muita atenção porque, mesmo sem imagem, era um retrato tão intenso de manipulação e de misoginia que eu fiquei capturada. Eu não quero ter filhos desde sempre, mas depois de adolescente sempre me veio à cabeça "o que eu faço se eu tiver um menino e ele for assim? Odiar mulheres num nível tão profundo da própria consciência? Acho que eu teria que matar ele" (pensamentos reais de uma Tenie de 13 anos, com 31 eu não mataria, mas também não vai ter mais filho nenhum, então GG). E também já passei pelo pensamento "se eu tivesse uma filha, é essa merda que espera por ela" (foi na época do Caso Eloá, inclusive), então já chorei, já me revoltei, e agora eu só não penso mais, porque é um desgaste que eu não aguento mais.
Mas acho que muito do motivo das pessoas reclamarem é que a audiência não só está acostumada com histórias policiais que mostram o culpado sendo preso, mas a mentalidade por trás de como fazem true crime reforça isso: mostrar o julgamento, a prisão, o "vilão foi preso"... Eu acho que o crescimento de true crime foi bastante prejudicial culturalmente, porque não só alimenta uma obsessão pela miséria alheia, como faz parecer que tudo tem um momento de julgamento, de condenação, e não. Algumas coisas ficam sem resoluções óbvias.
Enfim, espero que você esteja bem. Eu gostei muito da sua reflexão e sinto que deveria ver a série agora.
Se cuide!